Desde criança Janaína decidiu
que não queria ser só mais uma menininha. Queria ser a melhor aluna em
matemática e jogar bola melhor que qualquer um dos moleques. No Ensino Médio
percebeu que sua paixão pela química e física tinha superado em muito sua
vontade de participar das peladas com os garotos.
Era loura, e seu grande
pesadelo era ser considerada burra. Passou no vestibular dentre os primeiros
lugares para o curso de biomedicina na UFRJ. Antes estava na dúvida entre
biomedicina e farmácia. Queria estudar doenças e suas curas. Fez estágio do
Ciências Sem Fronteiras nos Estados Unidos e tão logo terminou a graduação
passou num concurso para a Fiocruz. Lá desenvolvia pesquisas sobre doenças
tropicais, com foco na dengue.
Um dia, porém, chegou um
famoso cientista da República Tcheca em visita à Fiocruz. Borya Stansel ficou
admirado com o nível de sofisticação da pesquisa desenvolvida por Janaína e sua
equipe. Marcaram um café para continuar a conversa. Duas horas rapidamente se
passaram naquele intercâmbio científico. Janaína mencionou que quisera ela ter
duas vidas para poder avançar o suficiente na pesquisa. Foi então que o tcheco
lhe confidenciou que havia um modo de ampliar em até quatro vezes sua
velocidade cerebral, mas que para obter tal façanha o custo seria elevado.
Os olhos de Janaína
brilharam de emoção: - Que custo?
- Seu corpo.
Mas antes que a jovem
genial se ofendesse com tal proposta indecente, Borya explicou que se tratava de
um custo mais literal: para ampliar o funcionamento cerebral ela precisaria se
submeter a um procedimento cirúrgico que separaria sua cabeça do restante do
corpo.
Apesar do arrepio que lhe
percorreu a espinha, apesar da visão apavorante que transpunha sua imaginação
para um cenário de filme de terror, apesar de tudo, a ideia ainda lhe parecia
atraente. Não pestaneou e aceitou a proposta. Naquela noite, Janaína abriria
mão de seu corpo para tornar-se a mulher mais inteligente do mundo, o ser
humano mais inteligente do mundo.
O medo foi suplantado pela
ansiedade e passado o efeito da anestesia, um mundo de possibilidades mentais
se apresentava à jovem. Seus sentidos ampliados, as contas mais complexas
resolvidas num piscar. Não precisava se alimentar, nem ir ao banheiro, nem
mesmo respirar, tudo lhe é era fornecido diretamente pela máquina que lhe
mantinha viva e acelerava seu cérebro. A mesma máquina transcrevia as ideias
que Janaína expunha oralmente. Borya estava orgulhoso de ter criado uma
verdadeira máquina de pensar!
Porém, uma coisa deu
errado. Janaína subitamente se sentiu enjaulada, percebeu que estava
fisicamente presa à sua mente. Como se não bastasse não poder mais correr, nem
andar, nem tocar em nada, sabia que estava só. Já não era um ser humano como os
demais, seu cérebro era tão mais rápido que não se entenderia com mais ninguém.
Olhou para seu corpo, estendido, inerte, sua vontade era de gritar e gritar
muito. E foi isso que ela fez: começou a gritar histericamente.
Borya apavorado tentou
acalma-la, ao que ela respondeu:
- Não, não, não, não, não,
não!
E o arrependimento se
vocalizava repetidas vezes:
- Devolva meu corpo, eu
quero meu corpo!
Janaína acordou apavorada,
suando. Ainda estava noite. Acalmou a respiração e ainda nervosa olhou para
baixo. Com alívio, constatou: seu corpo estava lá...
Naquele mesmo dia, ela
resolveu se matricular num curso de dança.
Mariana Penna, 2014
Apesar do clichê no final, de tudo ter sido apenas um sonho, essa é uma ideia muito interessante, que poderia ser mais desenvolvida. Da minha parte eu jamais sacrificaria o meu corpo para ter mais inteligência. Aliás, se formos pensar bem, a Janaína tinha uma perspectiva bem individualista do que seria um trabalho científico, por acreditar que ela sozinha poderia encontrar todas as respostas. Eu creio que a ciência é uma construção constante, que nunca poderá depender do trabalho de uma só pessoa para chegar às grandes conquistas. De qualquer forma foi um texto bem interessante.
ResponderExcluirOi Marcos! Relendo o texto, acho que ele realmente poderia ter sido melhor elaborado, acho que poderia ampliar a trama. O sonho, mesmo clichê, era inevitável, porque esse conto surgiu de um sonho que também me motivou a fazer dança. Lógico que foi adaptado, mas a ideia básica era essa de separar o cérebro do corpo. E legal que você curtiu, é interessante essa ideia que vc colocou sobre o individualismo, acho que mais até que individualismo, o sonho da inteligência absoluta é extremamente egocêntrico, e por isso mesmo a consequência a solidão total. Por sinal, estou baixando um filme que acho que trata sobre esse tema: Lucy. Se for bom te falo. Beijos!
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