quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Papai Noel desapareceu


Quando eu tinha 8 anos acreditava piamente na existência do Papai Noel. Assim como Deus, ele era uma daquelas coisas que os adultos nos contavam e que sequer passava pela minha cabeça a ideia de questionar sua veracidade. Se eles falavam que existia, para mim era certo que existia.
E era época de Natal, eu estava especialmente animada aquele ano, tanto que, pela primeira vez, pus enfeites natalinos ao redor da minha cama. Dentre eles, desenhei um Papai Noel, que eu achava lindo demais. E, com minhas irmãs, passava horas na sala em torno da árvore de natal, olhando os pisca-piscas em suas variações de ritmos e cores.
Era chegada a hora de pedir um presente ao Papai Noel. Meus pais sempre me alertavam sobre a necessidade de não pedir nada demasiado extravagante, pois o bom velhinho teria que atender a todas as outras crianças do mundo. Assim, pedia somente algo que parecesse razoável, discutindo antes com meus pais a respeito. E desta maneira fiz naquele ano. Eu desejava há muito uma boneca, uma Barbie sereia. Sonhava em poder brincar com aquela miniatura de mulher adulta numa realidade fantástica.
Brincar de Barbie era muito importante para mim, uma verdadeira libertação num mundo de tremendas limitações. Ser criança era algo demasiado desagradável, chato. Tudo o que eu desejava era poder escapar daquela forma de estar no mundo. O tempo, porém, parecia correr muito lentamente e assim nunca chegava o dia em que eu poderia ter a vida que os adultos tinham. Poder fazer minhas próprias escolhas, ter relacionamentos amorosos, sair durante a noite, ver televisão até tarde, não ir para a escola, ter altura suficiente para pegar o biscoito no armário. É, o mundo dos adultos parecia realmente fantástico! Mas enquanto o tempo continuava a pregar peças em mim, andando tão devagar que eu quase não sentia as mudanças, busquei uma maneira de mergulhar no mundo dos adultos: através das Barbies.
Naquela realidade paralela, tudo parecia possível para mim e minhas irmãs. E como, no capitalismo, a roda do consumo não pode nunca estagnar, havia sempre uma novidade para despertar o desejo das crianças, no meu caso, uma nova Barbie a combinar melhor com as fantasias que eu desejava realizar através dela como alter ego.
Mas aconteceu algo imprevisível. Eis que minha mãe chegou e me deu a triste notícia: “Papai Noel mandou avisar que não será possível te dar a Barbie sereia porque a Estrela não fabrica mais e Papai Noel não tem também como fabricar.”.
Fiquei desolada, havia criado tantas expectativas que eu não queria nada além daquilo! Senti revolta, não aceitei de forma alguma que o tal bom velhinho não me desse o presente que pedi. Como manifestação do meu repúdio, pintei no papel uma faixa em vermelho para colocar sobre a cara no Papai Noel que eu tinha desenhado com tanto carinho. Apesar da raiva, meu respeito pela figura não me permitia ainda riscar o desenho. Coloquei então cuidadosamente a faixa vermelha adesivando-a nas laterais. Não arranquei os enfeites de natal, mas escrevi bem grande e afixei um papel na parede com os dizeres: “Eu não acredito em
Papai Noel!”. E cada vez mais eu investia na negação daquela figura mítica natalina. Foi assim que, aos poucos e sem bem perceber, Papai Noel foi desaparecendo. Não havia nenhuma racionalidade naquilo, fui sendo guiada tão somente pelo sentimento de frustração. Me senti desiludida e, como uma espécie de defesa, passei a negar quem me provocou aquele sentimento. Nunca descobri que Papai Noel não existia, jamais flagrei meus pais escondendo os presentes, também não refleti nem conclui o quão absurda era toda aquela história de renas, trenó e fábrica no Polo Norte, meus pais tampouco precisaram me contar que aquilo não se passava de uma brincadeira que os adultos gostam de fazer para cultivar fantasias nas crianças. Simplesmente, após encarar a desilusão, apaguei Papai Noel da minha vida.


Mariana Penna, 2013

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O ideal culturalmente construído da ilusão


Quando mergulhei naquele lago fantástico,
Pensei que enfim chegava onde queria.
Mas a dor veio,
E não é a dor frustrada,
Sangue que escorreu do meu braço esquerdo.
Não é dor da frustração
Pela falta de afeto,
Mas a dor pelo excesso
Frustrado pelas suas conseqüências.

Mergulhei no lago,
veio a dor, a cãibra,
me engasgo com a água,
mas alcanço a margem.
Respiro fundo,
Penso em ir embora,
mas o lago e suas águas fantásticas me chamam
e novamente mergulho
e nado até a exaustão
e novamente repete-se o processo.

Afogo-me ou viro sereia?


Mariana Penna, 2007