Cientistas descobriram recentemente
o que significava aquele sentimento de vazio no peito que talvez por algumas centenas
de milhares de anos cada ser humano experimentou sem compreender o porquê
daquilo. Perceberam que as sensações são provocadas por energias que carregamos
e que algumas dessas energias precisam vir de fora do indivíduo. O motivo para
isso não se sabe ao certo, mas talvez no decorrer da evolução, a seleção
natural tenha concedido vantagem aos indivíduos que melhor conseguiram se
relacionar com os demais. Complicado? Calma, será explicado. Na região central
do peito, bem próximo ao coração, todas as pessoas possuem um armazenador de
energias. Esta energia é originalmente do próprio indivíduo, mas enquanto
estiver presa nele, provoca o mal estar conhecido até então como o “vazio no
peito”. A novidade surpreendente desta descoberta foi justamente perceber que
aquele vazio era na verdade o contrário, um excesso de energia. Mas então por que
temos essa energia e por que ela gera mal-estar? Justamente porque essa energia
é feita para ser doada, ou melhor trocada. Durante milênios os seres humanos
trocaram energias sem ter consciência disso. E quanto mais e melhor conseguiram
trocar essas energias, mais satisfeitos os seres humanos se tornaram. Ainda
complicado? É, o assunto é bastante complexo mesmo. Melhor partimos para os
exemplos. Pensemos nessas energias em termos de afeto, talvez até em termos de
amor, seria algo mais fácil para compreender. As pessoas de forma não
completamente consciente sempre distribuíram seu amor. Em geral, constata-se
que a maioria das pessoas que alcançaram um grau mais elevado de felicidade são
pessoas que também conseguiram melhor distribuir o seu amor. Em outras
palavras, conseguiram amar e serem amadas por uma maior número de pessoas e/ou
outros seres vivos. As pessoas que fixaram seu amor num ponto único, em geral
sofreram muito, pois toda essa energia não conseguia ser doada ao ser a quem desejavam
entregá-la. Esse é o famoso caso do amor não correspondido, ou apenas muito
parcialmente correspondido. Outro caso seria o que costumamos hoje falar em “síndrome
Romeu e Julieta”, que é o caso da paixão correspondida, mas não menos sofrida. É
um pouco mais complexo do que o anterior, pois não se trata de energia não
absorvida. Nesta síndrome a energia é sim absorvida, mas ocorre uma absorção
total da energia do outro doador. Em consequência há um período de enorme
euforia e aparente satisfação, mas aliados a uma dependência recíproca total. Assim,
esta acumulação de uma só fonte de energia tem por consequência efeitos
bastante negativos. A pessoa cria um comportamento obsessivo e até mesmo
possessivo e isso começa a atrapalhar todas
as demais esferas da sua vida. Como resultado, ou a pessoa devolve esta energia
ao doador e busca outras fontes de energia ou ela adoece do “vazio do peito” da
mesma forma que a pessoa que guarda sua energia. Os sintomas são desespero,
ansiedade, melancolia, desejo de posse e, logicamente, sensação de vazio no
peito. Esta foi uma doença social bem típica da Era Moderna quando a
dificuldade de estabelecer relações sociais mais ampliadas era uma
característica cultural típica do modo de produção capitalista, marcado pelo
comportamento individualista, amor romântico e pela família nuclear.
E por falar em patologias sociais
daquela era, há ainda um outro caso que é o das pessoas que lançaram essa sua
energia não para outros seres vivos, mas para objetos. Essa foi uma doença
social seríssima do período e funcionava da seguinte maneira: uma vez que o
indivíduo lançava sua energia ao objeto ou a vários objetos simultaneamente,
essa energia se perdia temporariamente, porém, não podendo ser absorvida, pois
o objeto não é portador de energia de forma que pudesse ser sujeito a troca, a
energia retorna provocando novamente a sensação de vazio. Porém, a sociedade da
época era constantemente estimulada através de propagandas a continuar
depositando suas energias em objetos de consumo, propagandas estas necessárias
à manutenção daquele modo de produção, ou seja, capitalista. Assim, ao comprar
um objeto a energia era lançada, vinha uma sensação de alívio, porém ilusório,
já que a troca não se realizava. Mas a pessoa não tinha consciência disso,
vivia então num eterno círculo vicioso.
Mas felizmente, após as diversas
transformações sociais que nos conduziram a um novo modo de produção,
consolidado após a vitória da Grande Revolução, hoje nos vemos livres de grande
parte desses problemas. No entanto, como diria o historiador nascido na era
capitalista, Fernand Braudel, temos ainda os problemas da “longa duração”, e há
ainda dificuldade em superar certas questões incrustradas nas mentalidades das
pessoas.
De forma então a tornar mais
consciente o processo de doação de energia, evitando alguns transtornos
emocionais, cientistas do Baixo Oeste Índico descobriram uma forma de extrair a
energia, armazená-la e então voluntariamente e racionalmente trocar essa
energia com outra pessoa a sua escolha. Tais cientistas não recomendam porém,
que se ultrapasse os 50% da energia armazenada em nosso peito, para que assim
as trocas inconscientes continuem a acontecer. O método é muito simples,
utiliza-se um carregador de energia que é como um amuleto, basta dormir uma
noite com esse amuleto para que ele seja carregado. No dia seguinte, as pessoas
trocam o amuleto e dormem com o amuleto do doador. Pronto, efetivada a troca de
energia.
A esse respeito informamos que a
maioria das Federações gostaram de conhecer a descoberta sobre o velho e famoso
“vazio do peito”, porém a maioria rejeitou o método de trocas conscientes,
considerando-o artificial. Porém, algumas federações, avaliando suas condições
específicas, marcadas por graus mais elevados de melancolia, resolveram aderir
ao método. Há relatos porém de alguns problemas preocupantes. Infelizmente,
como já dito, não estamos completamente livres de resquícios do passado. E
acontece então que indivíduos ainda influenciados pela forma de pensar de eras
hierárquicas, marcadas por desigualdades de vários tipos, ainda apresentam
comportamentos oportunistas de forma a quererem ser superiores aos demais.
Felizmente como isso hoje se tornou um comportamento reconhecido
hegemonicamente como lastimável, dificilmente essas pessoas assumem
publicamente suas vontades de pequenos aspirantes a monarcas absolutos. Mas,
alguns desses indivíduos já desenvolvem práticas no mínimo complicadas no que
diz respeito ao compartilhamento de energias. Descobriu-se que foi criada uma
espécie de armazenador artificial de energia. O negócio funciona assim: a
pessoa faz a troca de amuletos, mas ao invés de receber a energia do doador,
ela guarda esta energia dentro do armazenador. Assim, o egoísta se esvazia de
sua energia, mas por outro lado não firma sentimento pela pessoa que o doou. Aparentemente, após esvaziar sua energia, mesmo não recebendo nada em troca, o egoísta fica
livre da sensação pesada do sentimento de “vazio no peito”, porém não sabemos
ainda ao certo quais efeitos essa prática mal intencionada pode provocar, nem
para o egoísta, nem para o doador. Algumas pesquisas já indicam que a falta de
correspondência sentimental pode provocar sentimentos ruins no doador, que de
alguma forma parece sentir a assimetria sentimental, ou seja, consegue sentir que
a troca não foi realmente efetivada. Bem, parece que nunca estivemos numa
situação em que a expressão “deixar alguém na geladeira” fez tanto sentido.
Também por esse motivo, muitas
comunidades da Confederação optaram por não aderir ao método. Mas outras
criaram variações bastante criativas para realizar as trocas conscientes e que
aparentemente estão dando resultados bastante satisfatórios, sendo possível
identificar um crescimento expressivo nos graus de felicidade. Trata-se do
seguinte método: toda uma determinada coletividade coleta sua energia, e então utilizam
um aparelho que funciona de forma contrária ao armazenador de energias, ou
seja, uma espécie de pulverizador de energias. Durante uma noite, de tempos em
tempos, eles se reúnem em uma grande e animada festa, na qual compartilham todos
dessa energia. Dizem que a sensação de compreensão, respeito e amor mútuo é
ampliada a níveis incríveis.
Bem, queridos companheiros,
espero que vocês tenham apreciado este relato apresentado pelas delegadas e
delegados do Setor de Saúde e Bem-Estar coletivo da nossa Federação, pedimos
que cada delegado de comunidade aqui presente leve essas discussões para serem
apreciadas nas suas respectivas bases e propomos uma grande assembleia pública,
com delegados de federações que optaram por diferentes formas de lidar com esta
questão, afim de ampliarmos o debate e, se possível, daqui a seis meses chegarmos
às nossas próprias conclusões. Agradecemos a presença de todas e todos e abrimos
então as discussões com proposta de ponto de pauta único, a menos que haja
alguma outra proposta de pauta...
Mariana Penna, 2014.