terça-feira, 2 de agosto de 2022

Sobre bares e crianças


Faz um tempo circulou nas redes sociais uma dentre as várias polêmicas de momento que a internet convoca a cada um de nós opinar. Uma mulher foi com seu filho para o aniversário de uma amiga, por volta das cinco da tarde, e foi barrada na entrada de um bar que não aceitava crianças. Desolada, a mãe sentou no meio fio e chorou. Foi então que a discussão sobre crianças poderem ou não frequentarem bares teve seu momento de alta nas redes.

Cada vez opino menos e guardo mais para mim meus pensamentos. Comentei brevemente na postagem de um amigo com quem tenho praticamente sempre acordo e foi só isso. Mas fiquei com esta história na cabeça. Fiquei, pois a minha experiência pessoal me faz ter uma opinião tão nítida quanto a visão com óculos limpos e no grau certo.

Para mim bar é certamente um lugar de crianças. Para mim, talvez não para você que está lendo, talvez sua vivência deste tipo de ambiente tenha sido abusiva e traumática, mas para mim não, muito pelo contrário. Algumas das minhas melhores memórias se situam neste tipo de ambiente, que meus pais frequentavam com assiduidade.

Ir para o bar era a maior diversão, e vale destacar que não era barzinho arrumado não, era o que no estado do Rio chamamos de boteco pé sujo. Quando meu pai sugeria irmos, havia uma empolgação consensual. Era um ambiente de descontração e um espaço de convívio da família. Nós sentávamos; comíamos frituras; eu e minhas irmãs bebíamos refrigerante comum, minha mãe, o dietético; meu pai tomava lentamente sua cervejinha enquanto conversávamos falando alto, ríamos à-toa e brincávamos rabiscando o papel que cobria a mesa. Ora jogávamos forca, ora fazíamos concursos de desenho, em outros momentos era jogo da velha ou qualquer outro entretenimento que desse na telha. Era definitivamente muito divertido.

Comer juntos sempre foi um bom ritual da minha família. Representava um momento de comunhão. Por isso não deveria haver distrações, televisão na cozinha ou na sala de jantar: jamais! Era o momento de estarmos uns com os outros, de contar os causos da escola, do trabalho; de debater política, um assunto deveras recorrente no ambiente doméstico; de fazer fofocas e julgar os outros (sim, nem tudo são flores); em suma, era hora de compartilhar.

Mas o bar era um upgrade, era uma espécie de momento da refeição 2.0 porque mais que um ritual era uma espécie de evento. Era sair de casa para comer, mas não num restaurante, o que acontecia vez ou outra, mas num bar que por ser barato cabia no orçamento da família repetidas vezes no mês e em alguns períodos até se repetia numa mesma semana. E nós amávamos. Outro aspecto legal era a quebra da rotina: a gente sabia que não tardaria irmos pro bar, mas não tinha data certa, meu pai chegava, propunha e a gente num uníssono topava entusiasmadas.

A maioria das vezes éramos só nós cinco. Mas teve épocas em que o bar se juntava ao convívio de meu pai com seus amigos. Teve um período que o bar era no futebol semanal, aos sábados. Lá também era muito especial com o adendo de que tinha um parquinho e por vezes contava com a presença de outras crianças. E por falar nelas, eu não apenas gostava de interagir com a molecada, mas também com os adultos, adorava palpitar na mesa com os grandões, ouvir e me expressar quanto aos assuntos polêmicos, eles pareciam me dar trela e, assim, eu me sentia importante. Lógico que, vez ou outra, algum adulto, normalmente do sexo masculino, se excedia e fazia ou falava certas extravagâncias não muito apropriadas para o universo infantil, mas nada que desvirtuasse na minha memória aquela experiência tão gostosa.

Sem dúvida os bares marcaram fortemente minha infância com recordações extremamente agradáveis e coloridas. Nunca foi uma vivência de negligência ou abandono: íamos pra casa cedo, antes mesmo de nos sentirmos cansadas. Além disso, penso na importância desta experiência para minha mãe. À época, a maioria das mulheres da sua geração ficavam em casa cuidando das crias enquanto seus maridos, estes sim, iam frequentar o bar. Meu pai poderia ter simplesmente seguido a tendência, mas ele optou por não nos excluir deste espaço de liberação, ainda que controlada, pois sabia estabelecer o limite necessário ao nosso bem-estar. E era tão evidente o quanto apreciávamos aquele evento que, quando adolescente, comecei a criar um círculo de amizade realmente forte e que vigora até os dias atuais e meu pai, com ciúmes, começou a propor as saídas para o bar justamente nas sextas-feiras no final da tarde, quando eu batia ponto na praça dos roqueiros com meus amigos. E ele foi de fato tão bem-sucedido em me deixar dividida que eu revoltei e pleiteei evitar as sextas como dia do bar, afinal, eram dois eventos imperdíveis!

 Mariana Affonso Penna, 2022.