quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Solipsismo: Fragmento 3

Aconteceu em um sonho
A vida tem reservado vazios, os sonhos chegam como preenchimento. Acordo, mas a vontade é de continuar a dormir. Os sonhos próximos ao despertar confundem-se com o estado de vigília. Três, quatro, cinco vezes me perguntei se estava desperta ou ainda adormecida. Buscava elementos que permitissem identificar o estado real que me encontrava e, ao perceber que ainda dormia, acordava noutro sonho. Demorou um pouco até que efetivamente abrisse os olhos na minha cama de verdade. E preferia ter continuado onde estava, vagando por histórias que se combinavam de formas não imediatamente compreensíveis.
Medo de perder o avião, sensação de estar sempre em trânsito em busca deste voo: um típico sonho que me ocorre com certa regularidade. Menos comum, mas que as vezes acontece é sonhar com diálogos virtuais reconfortantes. Se deu num aplicativo com um logo curioso: uma mistura de relógio com rosa dos ventos tendo por fundo o escuro estrelado do universo. E como tempo e espaço se mesclavam nessa figura, também as pessoas em diálogo se misturavam como tão rapidamente se misturam nomes e sentimentos em meio aos sonhos.
Adiei o acordar para adiar o encontro com a realidade distópica. Mais valia estar em trânsito ou num papo virtual do que me confrontar com a Destruição sentada confortavelmente no poder, zombando sobre nós, cuspindo mentiras e exaltando sua vitória. Como sequer tenho um xodó pra me fazer um cafuné e esquecer por alguns instantes o mundo que nos cerca, nessa conjuntura medonha, o que me resta de consolo é dormir.

Mariana Penna, 2019.