Aconteceu em um sonho
A
vida tem reservado vazios, os sonhos chegam como preenchimento. Acordo, mas a
vontade é de continuar a dormir. Os sonhos próximos ao despertar confundem-se
com o estado de vigília. Três, quatro, cinco vezes me perguntei se estava
desperta ou ainda adormecida. Buscava elementos que permitissem identificar o
estado real que me encontrava e, ao perceber que ainda dormia, acordava noutro
sonho. Demorou um pouco até que efetivamente abrisse os olhos na minha cama de
verdade. E preferia ter continuado onde estava, vagando por histórias que se
combinavam de formas não imediatamente compreensíveis.
Medo
de perder o avião, sensação de estar sempre em trânsito em busca deste voo: um
típico sonho que me ocorre com certa regularidade. Menos comum, mas que as
vezes acontece é sonhar com diálogos virtuais reconfortantes. Se deu num
aplicativo com um logo curioso: uma mistura de relógio com rosa dos ventos tendo
por fundo o escuro estrelado do universo. E como tempo e espaço se mesclavam nessa
figura, também as pessoas em diálogo se misturavam como tão rapidamente se
misturam nomes e sentimentos em meio aos sonhos.
Adiei
o acordar para adiar o encontro com a realidade distópica. Mais valia estar em
trânsito ou num papo virtual do que me confrontar com a Destruição sentada
confortavelmente no poder, zombando sobre nós, cuspindo mentiras e exaltando
sua vitória. Como sequer tenho um xodó pra me fazer um cafuné e esquecer por
alguns instantes o mundo que nos cerca, nessa conjuntura medonha, o que me resta
de consolo é dormir.
Mariana Penna, 2019.