Solipsismo
[abertura de um romance
em andamento]
Conta o mito que tudo o que
existia era Brahman. Brahman e apenas Brahman. Não a cerveja, mas o deus hindu. E
ele, por tédio, resolveu criar o mundo, o universo, tudo que existe, como um
romance, um filme, um sonho. Mas aquilo ainda era logicamente ele próprio, tal como
as histórias que criamos em nossas cabeças nos momentos vazios são tão somente
parte de nós, não têm vida própria. Por isso não tinha muita graça e Brahman vivia uma ansiedade ininterrupta. A ansiedade vazia dos deuses que em sua
eternidade não acham facilmente motivos para a existência. A história era boa,
o cenário também, mas o conhecimento de que tudo não passava de sua criação logo
tornava a experiência fastidiosa. Cansado do previsível, optou, portanto, por
uma decisão radical: apagar sua mente, deletar a consciência e viver a ilusão
como algo externo, real. Desde então, tudo o que existe no universo não passa
de um sonho de Brahman. Um sonho levado a sério. Mas as vezes, há buracos, há
falhas na Matrix, há déjà vu. E é
desesperador...