sábado, 12 de agosto de 2017

Solipsismo - Fragmento 1

Solipsismo
[abertura de um romance em andamento]
Conta o mito que tudo o que existia era Brahman. Brahman e apenas Brahman. Não a cerveja, mas o deus hindu. E ele, por tédio, resolveu criar o mundo, o universo, tudo que existe, como um romance, um filme, um sonho. Mas aquilo ainda era logicamente ele próprio, tal como as histórias que criamos em nossas cabeças nos momentos vazios são tão somente parte de nós, não têm vida própria. Por isso não tinha muita graça e Brahman vivia uma ansiedade ininterrupta. A ansiedade vazia dos deuses que em sua eternidade não acham facilmente motivos para a existência. A história era boa, o cenário também, mas o conhecimento de que tudo não passava de sua criação logo tornava a experiência fastidiosa. Cansado do previsível, optou, portanto, por uma decisão radical: apagar sua mente, deletar a consciência e viver a ilusão como algo externo, real. Desde então, tudo o que existe no universo não passa de um sonho de Brahman. Um sonho levado a sério. Mas as vezes, há buracos, há falhas na Matrix, há déjà vu. E é desesperador...

Mariana A. Penna, 2016.