terça-feira, 17 de novembro de 2020

Amores e amores pandêmicos

Já faz mais de 5 meses que José Antônio não vê Cristiane, sua namorada. Juntos há pouco mais de quatro anos, foram separados pela pandemia. Ela, mãe de duas crianças, precisou retornar ao trabalho quando a empresa convocou. Ele, diabético, professor, trabalha em modo remoto e cuida dos pais idosos.

O casal, fisicamente distanciado, conversa todos os dias pelas redes sociais, mas as más línguas desconfiam que o relacionamento esteja em crise. Talvez por isso, Cris, pela primeira vez, tenha se preocupado em prestar contas às maledicências alheias. Postou, em rede social, uma elogiosa mensagem de “feliz aniversário” para seu amado, explicando inclusive as razões de seu afastamento.

Ana Carolina não via sua amiga Eduarda, Duda para os íntimos, fazia uns dois anos. Foi morar em outro estado por conta de trabalho e, mesmo nas férias, não conseguiam conciliar os planos para pôr o papo e a cerveja em dia. Se bem que o papo nunca “atrasou”, uma vez que elas sempre se comunicavam pelas redes sociais, compartilhando especialmente seus dilemas amorosos. Mas com a covid-19, Carol passou ao trabalho remoto e resolveu ficar este tempo em companhia de sua mãe, já aposentada.

Faz umas 3 semanas Duda chamou Carol para uma social em sua casa e ela não hesitou em aceitar. Tanto tempo trancada em casa, parecia insuportável. Sentia-se grata pela amiga organizar uma confraternização. Em relação à pandemia, não perguntou nada, deduziu que o encontro se daria com medidas de segurança. Logo que chegou, Duda em euforia por ver a saudosa amiga, mandou-a de pronto tirar a máscara e deu-lhe um beijo no rosto, seguido por um longo abraço. Carol hesitou brevemente, mas depois, constrangida, entregou-se ao afago. Por que negar um ato de... carinho?

Na sala, dois casais de amigos e os pais de Duda lhe aguardavam. A noite foi muito agradável. Um sacou o violão, outra enchia os copos de cerveja aos chegados. Relaxaram, riram, cantaram, se abraçaram, choraram. Só gente próxima, só gente muito querida.

Hoje, faz uma semana que a mãe de Carol, idosa, está internada na UTI com complicações respiratórias.

Noite passada, Cris, aquela que namora o Zé Antonio, estava conversando com ele por vídeo-chamada. Sentia-se um pouco triste, a distância física pesava. Mas o sorriso consolador de seu companheiro apaziguava. Falavam de um filme novo que ambos assistiam, e ela contou que receberia, no dia seguinte, a visita de duas de suas melhores amigas. Bruna e Lara viriam vê-la na tarde de sábado. Zé se alarmou um pouco, mas ela avisou que ambas estavam cientes da necessidade de ter cuidados.

As amigas chegaram, Cris lhes preparou um café e pão de queijo. A amizade de longa data não dava espaço para constrangimentos, e nem precisava, pois estavam em sintonia. Sentaram-se na laje da casa, todas mascaradas, com bastante distância entre elas. Não usaram os corpos para se cumprimentar, se entreolharam com afeto e expressaram saudades. Na hora de comer e beber, o faziam com a cabeça virada na direção oposta às amigas ou com a cabeça baixa, recolocando a máscara tão logo terminavam de degustar. A distância, porém, não impediu a intimidade. Conversaram, riram, desabafaram suas angústias. Foi revigorante.

De noite, Zé estava cansado após mais uma vídeoaula preparada e devidamente postada. Logo após jantar em família, conversou com Cris por vídeo e ficou feliz em vê-la radiante.

Mariana A. Penna, 

novembro de 2020, 

8 meses de vivência da pandemia.