No
meio da madrugada, grunhidos de cachorro interrompem meu sono. Seria alguém
invadindo a casa? Meu pai também acorda. Salta da cama e rapidamente abre a
janela. Já estou de pé quando ouço o som da madeira correndo sobre os trilhos
no quarto ao lado. Em nenhum momento pensei em abrir as portas ou janelas,
queria evitar o exterior, não deixar que nada pudesse entrar. Meu pai, ao
contrário, preocupava-se com o que estava do lado de fora: a cadela em seus gemidos
de dor. Eu só temia que alguém pudesse invadir nossa casa. Ainda tonta, segui
meu pai rumo ao quintal. Os outros cachorros corriam, pulavam, derrubavam plantas
pelo caminho. Chegamos até a cadela. Ela, já idosa, frágil, com problemas de
locomoção, havia caído numa valeta e não conseguia se levantar. Enquanto meu
pai a socorria, eu olhava à distância, meio dormindo, meio acordada. Depois fui
atrás dela, verificar sua condição. Estava ofegante e claramente agitada, na adrenalina.
Os outros cachorros, atiçados, pulavam em mim e nela, comportamento que sempre
me provoca irritação. Depois que ela se deitou, perto da entrada da casa, eu e
meu pai entramos. Tomei um copo d’água, mas estava nauseada, um mal estar físico
e mental. Deitei. Medo, descontrole e mais medo e descontrole foram tomando
conta. O isolamento se mostrava frágil, em qualquer momento tudo pode desabar.
O vírus, as outras doenças, um acidente, bandidos ou simplesmente humanos
desesperados: qualquer um desses pode romper o bloqueio e rasgar nossa película
de proteção. Nos três dias anteriores, ainda mantive a serenidade. Exercícios
físicos, estudos agradáveis: estava cuidando do topo da minha pirâmide de
Maslow. Um grunhido de dor no meio da madrugada me fez perceber que a base da
pirâmide está rachada e que a qualquer momento pode ruir.
Mariana Penna, 2020,
Pandemia, 10º dia de isolamento.