Durante
muito tempo achei ser possível viver fugindo da raiva como se ela fosse algo
ruim por essência. Mas não, nenhum sentimento humano existe à-toa. A raiva funciona
como muitas vitaminas em nosso corpo, se você usa demais ela é nociva, mas sem
ela também não se sobrevive.
Talvez
por ter vivido uma experiência traumática de passar quase 4 anos num ambiente
que só transpirava raiva, tomei crescentemente uma aversão ao conflito. Mas ele
e seus sentimentos são inevitáveis e até desejáveis.
O
problema é que a raiva parece ser plenamente controlável, ou melhor, parece ser
possível sobrepô-la. A compreensão é o principal mecanismo para esse fim. Pelo
exercício da empatia você tenta entender porque alguém age como age. O problema
é quando acabamos aceitando tanto, compreendendo tanto, que em algum nível
inocentamos em nosso íntimo aquele que perpetrou o mal. Ao invés de sentir e liberar
a raiva, por vezes pedimos desculpas por expressar nosso descontentamento frente a agressão.
E agir
sempre com cortesia tem seu preço. Não se contém a raiva, pois querendo ou não
ela vai desaguar em algum sítio. Quanto mais isentamos o causador de nosso
desconforto da culpa, mais ela toma rumo indevido. A raiva externaliza o mal-estar e
nada melhor que o direcionar contra o que ou quem a causou.
Caso
contrário o mal não devolvido volta, fica, humilha e vai nos apodrecendo por
dentro. Aos poucos achamos que a culpa está em nós: afinal, por quê repetidamente
nos maltratam? O que estamos fazendo de errado para que o outro aja assim
conosco? A resposta já é expressão da minha liberação da raiva: estamos oferecendo
o outro lado da face ao invés de devolver o tabefe. Cada vez que fazemos isso
minamos nossa autoestima, matamos um pouco nosso orgulho próprio em troca de
evitar o conflito, de ser a boa praça, a pessoa leve, compreensiva, fácil de se
gostar. Mas a verdade é que esse “gostar” nem sempre é respeito. Um gostar sem respeito é um laço frágil demais. Pra quem
agride é fácil gostar do conforto de não ser confrontado. Você se torna um cão que aceita o dono
independentemente do que o seu senhor lhe faz. Apanha, mas volta com o rabinho
abanando. O fiel “amigo do homem” não reclama, é compreensivo com tudo, aceita
e devolve o mal com carinho. Cada vez mais prefiro ser gato e dar uma lanhada
na cara do vacilão que me bateu.
Mariana Penna, 2019.
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