Juliana tem 47 anos e trabalha num restaurante de preço popular no
centro do Rio de Janeiro. Não é garçonete, pois sua timidez a impossibilita.
Ajuda na cozinha e faz, principalmente, a limpeza do local. Fala pouco, mas não
por falta de vontade. As vezes enquanto ouve seus colegas papearem, intervém
mentalmente. Opina e comenta, mas só para si mesma, não tem coragem de
externalizar. Só responde a algo quando lhe foi diretamente perguntado. Nunca
puxa assunto. Imagina como seria bom se não tivesse esse bloqueio. Mas, no
mundo real, não consegue.
Anda sempre olhando para o chão. Tem medo de tropeçar, tem medo de
ver alguém olha-la com desdém, que lhe achem estranha em seu caminhar. Fica
nervosa... tropeça, mesmo olhando para o chão. Seu corpo é encurvado, seu cabelo
sempre preso, seu sorriso nunca mostra os dentes.
Jamais conheceu homem algum, mas assiste muitas novelas. Mora ali
pela Gamboa, numa casa de cortiço. Uma sala-quarto-cozinha e um banheiro. Sem
janelas, só um pequeno basculante com abertura para o corredor do prédio. Mas
sua porta tem uma parte de vidro que abre e é por ali que entram seus gatos.
São eles o conforto do dia a dia de Juliana. Mesmo com seu orçamento apertado,
ela se dedica a atender aos caprichos dos bichanos. Sente que só com eles realiza
de fato sua humanidade, com seus pares humanos não, sente-se um espectro, uma
alma penada a vagar em meio à multidão.
Mas erra quem pensa que a relação de Juliana e seus gatos é isenta
de turbulências e contradições. Diferentes dos cachorros, que em geral dedicam
uma suposta lealdade absoluta aos humanos, independente da forma como eles lhes
tratam, os gatos precisam ser constantemente reconquistados. E é nesse desafio
de conquistar, manter a conquista e reconquistar os bichanos, que Juliana dá
sentido a sua vida atualmente.
Tudo começou com Fifo há uns dois anos atrás. Antes disso Juliana
não tinha gatos. Achava-os bichos estranhos, frios, distantes e que por mais
que ela se esforçasse, nunca lhes dariam atenção. Mas Fifo mudou tudo. Quando
esse gatinho preto passou por ela, Juliana o achou uma fofura. Quis mexer com
ele, mesmo achando que o esforço seria em vão, como sempre o era com os outros
gatos. Mas Fifo retribuiu, passou a visita-la. Ela o alimentava, e, em pouco
tempo, estava ele em sua casa. Que alegria era ter aquele gato meigo e grudento
no seu colo nos momentos de descanso após o trabalho. Eram longas as horas que
Juliana vendia ao seu patrão e a companhia de um gato virou necessidade para
colorir sua vida fora do mundo cinza com cheiro de frituras e desinfetante
barato.
Mas como Fifo passeava demais e as vezes sumia por um tempo, aquela
senhora solitária passou a buscar um novo amiguinho. Achou um lindo gatinho com
olhos cor de mel! Na hora mesmo pensou: ele tem que ser meu! Se aproximou, ele
se assustou, mas com um pouco de insistência, ele se entregou ao afago. Dessa
vez pulou a fase da conquista e levou logo o felino para sua casa, na marra.
Era tão fofinho, mas livre como o anterior. Por isso Juliana não se
sentia ainda completa emocionalmente, estava insatisfeita. Então apareceu uma
gata. Essa veio de livre e espontânea vontade. Começou a sondar sua porta e a
roubar comida. Até que um belo dia entrou e sentiu-se em casa. Muito brincalhona,
mal deixava Juliana dormir em paz, vinha sempre barulhar em sua cama. No
entanto, seus sumiços eram bem mais notáveis do que o daqueles que a
antecederam.
E sua casa não parou mais de ser frequentada pela bichanada! O
próximo foi Dadinho. Ele andava solto pelo cortiço, comia um pouco aqui e
acolá, mas depois que Juliana o encontrou, ele pareceu se encontrar. Parecia
calmo, ficava relaxado e se esticava sem pressa no colchão. Era raro ele sair
de casa e todo dia quando ela voltava do trabalho lá estava aquele cinzinha a
olha-la com satisfação à porta de casa.
Devia estar satisfeita, mas seu coração ainda tinha espaço para
mais bichinhos de estimação. E, portanto, continuou a recebe-los. Seus vizinhos
começaram a reclamar pela quantidade demasiada de gatos. Juliana sentiu-se mal,
não queria incomodar ninguém, mas também não conseguia viver sem seus animaizinhos.
Ela não se sente uma pessoa acumuladora, não é de guardar nada. A única coisa
que gosta de acumular é o carinho e o sentimento por aqueles bichinhos, mas tem
medo que as pessoas não compreendam esse seu excesso. Dizem que é estranho uma
pessoa viver rodeada de tantos animais de estimação. Mas o que as pessoas não
podiam entender era o quanto seu espírito carente de atenção precisava daquelas
companhias calorosas para superar o medo das horas vazias e da solidão.
Mariana Penna, 2014.
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